sábado, 12 de junho de 2010

Metade

 

Que a força do medo que eu tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvido e a boca. Porque metade de mim é o que grito mas a outra metade é o silêncio.


Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste. Que a mulher que eu amo seja para sempre amada mesmo que distante. Porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento. Porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora se transforme na clama e na paz que eu mereço. E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que penso mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo/a se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso, que eu me lembro ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espirito. E que o teu silêncio fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é a canção.

E que minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é o amor e a outra metade também.

(Osvaldo Montenegro)