segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sentimental

    
    
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

— Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
“Neste país é proibido sonhar.”

  
  
  
(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 26 de dezembro de 2010

A Uma Mulher Amada


Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro... eu tremo.

 

(Safo)

Quietação

 

No espaço claro e longo
O silêncio é como uma penetração de olhares calmos...
Eu sinto tudo pousado dentro da noite
E chega até mim um lamento contínuo de árvores curvas.
Como desesperados de melancolia
Uivam na estrada cães cheios de lua.
O silêncio pesado que desce
Curva todas as coisas religiosamente
E o murmúrio que sobe é como uma oração da noite...
Eu penso em ti.
Minha boca cicia longamente o teu nome
E eu busco sentir no ar o aroma morno da tua carne.
Vejo-te ainda na visão que te precisou no espaço
Ouvindo de olhos dolentes as palavras de amor que eu te dizia
Fora do tempo, fora da vida, na cessação suprema do instante
Ouvindo, junta de mim, a angústia apaixonada da minha voz
Num desfalecimento.
Pelo espaço claro e longo
Vibra a luz branca das estrelas.
Nem uma aragem, tudo parado, tudo silêncio
Tudo imensamente repousado.
E eu cheio de tristeza, sozinho, parado
Pensando em ti.


(Vinícius de Moraes)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Retrato

Vou pintar o seu retrato.
Na boca, pinto o sol;
nos olhos, duas estrelas;
nos cabelos, um arco-íris;
no teu coração escondido,
pinto metade do meu.

 

(Elias José)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Romanza

Branca mulher de olhos claros
De olhar branco e luminoso
Que tinhas luz nas pupilas
E luz nos cabelos louros
Onde levou-te o destino
Que te afastou para longe
Da minha vista sem vida
Da minha vida sem vista?

Andavas sempre sozinha
Sem cão, sem homem, sem Deus
Eu te seguia sozinho
Sem cão, sem mulher, sem Deus
Eras a imagem de um sonho
A imagem de um sonho eu era
Ambos levando a tristeza
Dos que andam em busca do sonho.

Ias sempre, sempre andando
E eu ia sempre seguindo
Pisando na tua sombra
Vendo-a às vezes se afastar
Nem sabias quem eu era
Não te assustavam meus passos
Tu sempre andando na frente
Eu sempre atrás caminhando.

Toda a noite em minha casa
Passavas na caminhada
Eu te esperava e seguia
Na proteção do meu passo
E após o curto caminho
Da praia de ponta a ponta
Entravas na tua casa
E eu ia, na caminhada.

Eu te amei, mulher serena
Amei teu vulto distante
Amei teu passo elegante
E a tua beleza clara
Na noite que sempre vinha
Mas sempre custava tanto
Eu via a hora suprema
Das horas da minha vida.

Eu te seguia e sonhava
Sonhava que te seguia

Esperava ansioso o instante
De defender-te de alguém

E então meu passo mais forte
Dizia: quero falar-te
E o teu, mais brando, dizia:
Se queres destruir... vem.


Eu ficava. E te seguia
Pelo deserto da praia
Até avistar a casa
Pequena e branca da esquina.
Entravas. Por um momento

Esperavas que eu passasse
Para o olhar de boa-noite
E o olhar de até-amanhã.

Uma noite... não passaste.
Esperei-te ansioso, inquieto
Mas não vieste. Por quê?

Foste embora? Procuraste
O amor de algum outro passo
Que em vez de seguir-te sempre
Andasse sempre ao teu lado?

Eu ando agora sozinho
Na praia longa e deserta
Eu ando agora sozinho
Por que fugiste? Por quê?
Ao meu passo solitário
Triste e incerto como nunca
Só responde a voz das ondas
Que se esfacelam na areia.

Branca mulher de olhos claros
Minha alma ainda te deseja
Traze ao meu passo cansado
A alegria do teu passo
Onde levou-te o destino
Que te afastou para longe
Da minha vista sem vida
Da minha vida sem vista?


(Vinícius de Moraes, Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, 1933)

Urgentíssimo

 

Alô, alô, repórter, urgentíssimo:
avise à minha amada que a espero
aflito, no lugar de sempre.



(Elias José)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Declaração de Amor em Vários Sabores

 

Tentei dizer o quanto te amava, aquela vez, baixinho,
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensando bem, um berçário não é o melhor lugar.
Nós dois de fraldas, lado a lado
cada um recém-chegado.
Você sem poder ouvir, eu sem saber falar.

Tentei de novo, lembro bem, na escola.
Com um PS num pedido de cola
interceptado pela professora feito gavião.
Eu fui parar na diretoria
enquanto você, desalmada, ria
- curta é a vida, longa é a paixão.

Numa festinha, ah, suas festinhas, disse tudo:
”Te adoro, te venero, na tua frente fico mudo.”
E você tomando goles de um silencioso Hi-Fi.
Só mais tarde eu atinei:
cheio de Cuba e amor, me enganei.
Tinha dito tudo para o senhor teu pai.

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome e o meu, flechas, palpitações.
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou pessoa pouco grata
corrido aos gritos de “Mata!”
por ambientalistas e afins.

Recorri, desesperado, a um gesto obsoleto:
”Se não me seguram, faço um soneto!”
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Mas você nem ficou sabendo.
Ele continua inédito, por você plangendo
- mas fui premiado num concurso em Minas.

Comecei a escrever, com pincel e piche
em muros brancos, o asseio que se lixe,
todo o meu amor para a sua ciência.
Fui preso aos socos e fichado.
Dias e mais dias interrogado.
Era PC, PC do B ou outra dissidência?

Te escrevi com lágrimas, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.
Como resposta nem uma cartinha.
Nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio nacional…

Com uma serenata, sim, uma serenata
como as do tempo da “Cabloca ingrata”
me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, calçada enluarada
havia tudo sob a sua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, botar a maior banca
e escrever no céu com fumaça branca:
”Te amo, assinado…” e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê
tudo para impressionar você…
Veio a crise do petróleo e faltou o combustível.

Ontem, finalmente cheguei ao seu ouvido
e, na discoteca, em meio ao alarido
despejei o meu pobre coração.
Falei da devoção há anos entalada
e você disse: “Com essa música, não escuto nada!”
Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado
em meio a um silêncio abençoado
te direi tudo o que eu queria, meu bem.
Meu único medo é que então
empinando a orelha com a mão
você me responda… “Hein?”

(Luis Fernando Veríssimo)

Êxtase

 

Quando lá no céu surgir
uma peregrina flor,
caia de joelhos,
beije sua imagem
no espelho.
Você é um milagre.

(Fausto Wolff)

“Como Posso Saber Se Sou Amado?”

 

Só pode haver respostas parciais que precisam ser aperfeiçoadas com o toque pessoal com que cada contribui para o relacionamento.

Naturalmente, quando somos amados, aqueles que nos amam querem que sejamos o que somos, não o que eles são. Alegram-se por estarmos crescendo com nossas ideias, nossos sonhos, nossa indiviadualidade, nosso futuro. Querem que sejamos independentes e livres, não submissos e medrosos. Aqueles que nos amam querem simplificar nossa existência, não protegendo-nos da dor, mas estando presentes quando precisamos deles. Encorajam os riscos porque compreendem que, nos arriscando, continuamos a crescer. |Ajudam-nos a encontrar alternativas para o nosso comportamento, alegrando-se com nosso sucesso e trazendo consolo para os nossos fracassos. Não são apenas amantes, mas amigos, fiéis e dispostos a dar um desconto nas nossas imperfeições.




(Trecho da página 23 do livro O Paraíso Fica Perto, de Leo Buscaglia.)

sábado, 18 de dezembro de 2010

Coisas Que Você Não Fez

 

Lembra-se do dia em que tomei emprestado o seu carro novo em folha e o amassei?
Pensei que me mataria, mas você não me matou.
E lembra-se da vez em que o arrastei para a praia e você disse que ia chover, e choveu?
Pensei que ia dizer “Eu não disse?”. Mas você não disse.
Lembra-se da vez em que namorei todos os caras para lhe fazer ciúmes, e consegui?
Pensei que você me largasse, mas você não largou.
Lembra-se da vez em que derramei torta de morangos em cima do tapete do seu carro?
Pensei que fosse me bater, mas não bateu.
E lembra-se da vez em que me esqueci de lhe avisar que a festa era a rigor, e você apareceu de jeans?
Pensei que fosse me largar, mas não largou.
É, houve uma porção de coisas que você não fez.
Mas me aguentou, e me amou, e me protegeu.
Havia muitas coisas que eu queria lhe retribuir quando você voltasse do Vietnã.
Mas você não voltou.








Este poema, encontrado na página 88 do livro Vivendo, Amando & Aprendedo, de Leo Buscaglia, explica a respeito de adiar as coisas indefinidamente, em especial, cuidar das pessoas de quem realmente gostamos.

A autora deseja permanecer anônima.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Eu Fiz Um Poema

 

Eu fiz um poema belo
e alto
como um girassol de Van Gogh
como um copo de chope sobre o mármore
de um bar
que um raio de sol atravessa
eu fiz um poema belo como um vitral
claro como um adro…
Agora
não sei que chuva o escorreu
suas palavras estão apagadas
alheias uma à outra como as palavras de um dicionário
Eu sou como um arqueólogo decifrando as cinzas de uma cidade morta.
O vulto de um velho arqueólogo curvado sobre a terra…

Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?

(Mario Quintana)

sábado, 11 de dezembro de 2010

Para Uma Menina Com Uma Flor

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara-na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, “Minha Namorada”, a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, e põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

(Vinícius de Moraes, Para uma Menina com uma Flor, 1966)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

As Sem-Razões do Amor

  

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

                
   
    

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Amor

 

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minh’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

 

(Álvares de Azevedo)

A Dança

 

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

 

(Pablo Neruda)

Amor em Paz

 

Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz

 

 

(Vinícius de Moraes)

domingo, 28 de novembro de 2010

Descubra o Amor

 

Pegue um sorriso
e doe a quem jamais o teve…
Pegue um raio de sol
e faça-o voar lá onde reina a noite…
Pegue uma lágrima
e ponha no rosto de quem jamais chorou…
Pegue a coragem
e ponha-a no ânimo de quem jamais sabe lutar…
Descubra a vida
e narre-a a quem não sabe entendê-la…
Pegue a esperança
e viva na sua luz…
Pegue a bondade
e doe-a a quem não sabe doar…
Descubra o amor
e faça-o conhecer o mundo…

(Mahatma Gandhi)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sobre o Amor, o Entendimento e a Distância entre os Afetos

 

 

Eu olho para o mundo e não entendo 
Por que, hoje, o amor é um grande erro?

Na sua vida eu pertenço à sua cama
Esquento seus pés e o seu desejo
E meu grande anseio é apenas ser sua
O comprometimento com a sua humanidade
Zelar pela sua integridade e
Inserido no meu mundo, pegar em sua mão
E alcançarmos um novo mundo nosso
Preenchido pelas nossas existências superiores
E, assim, sermos felizes como possível

E quando eu choro e te imploro
Algumas horas do seu tempo
É para amenizar a distância
Muito maior que a Dutra
E aquela entre São Paulo e São José dos Campos
Sei que a maior mágoa
É a separação de nossos ideais

Enquanto meu amor é entrega
Seu amor é blasé
Meu amor é você e o resto do mundo
O seu amor é você com o resto do mundo e eu
Nossos fatores não dão o mesmo resultado

E, eu fico assim, aqui, 
Esperando você voltar
O seu tempo do amor
E de tudo o mais

E algo dentro de mim se perde
Se esvai, e não sei bem o que isso seria
Além de um vazio e uma dor
Desesperança

Eu não te exijo 24 horas.
Eu apenas te amo 
E gostaria que você fizesse planos
Como eu os faço com você
Que seu regozijo repousasse junto de mim
Em qualquer lugar do mundo
Apenas por ser o momento da sua vida

Eu quero um amor tranquilo
Sem jogos e mentiras
Todo de honestidade 
Eu sou toda de verdades
E não posso mais viver assim, na insegurança
De suas emoções

Você deve decidir se quer ficar comigo
Um ano já passamos dividindo nossas intimidades
Se você acredita que não sou a mulher
Para a sua vida
Logo me diga
Para que eu não me envolva mais e sofra

Se você é algo bom e inocente
Entende bem esse meu pedido
E será dotado de coragem
Para seguirmos separadamente nossos destinos

O que já não posso mais
É assim viver
Perdida no seu tempo
Nos seus desejos dispersos
Na falta de foco e direção de seus compromissos

Eu sei o que eu quero
Agora é a sua vez

(Bianca Rosolem)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

NEOQAV

 

    Meus avós já estavam casados há mais de cinquenta  anos e continuavam jogando um jogo que haviam iniciado quando começaram a namorar.
    A regra do jogo era que um tinha que escrever a palavra "NEOQAV" num lugar inesperado para o outro encontrar e assim quem  a encontrasse deveria escrevê-la em outro lugar e assim sucessivamente. Eles se revezavam deixando "NEOQAV" escrita por toda a casa, e assim que um a encontrava era sua vez de escondê-la em outro local para o outro achar.
    Eles escreviam "NEOQAV" com os dedos no açúcar dentro do açucareiro ou no pote de farinha para que o próximo que fosse cozinhar a achasse. Escreviam na janela embaçada pelo sereno que dava para o pátio onde minha avó nos dava pudim que ela fazia com tanto carinho.  "NEOQAV" era escrita no vapor deixado no espelho depois de um  banho quente, onde a palavra iria reaparecer depois do próximo banho.
    Uma vez, minha avó até desenrolou um rolo inteiro de papel higiênico para deixar "NEOQAV" na  última folha e enrolou tudo de novo. Não  havia limites para onde "NEOQAV" pudesse surgir. Pedacinhos  de papel com "NEOQAV" rabiscado apareciam grudados no volante do  carro que eles dividiam. Os bilhetes eram enfiados dentro dos sapatos e  deixados debaixo dos travesseiros.
   "NEOQAV" era escrita com os  dedos na poeira sobre as prateleiras e nas cinzas da lareira. Esta  misteriosa palavra tanto fazia parte da casa de meus avós quanto da mobília. Levou bastante tempo para eu passar a entender e gostar completamente deste jogo que eles jogavam. Meu ceticismo nunca me deixou acreditar em um único e verdadeiro amor, que possa ser realmente puro e duradouro. Porém, eu nunca duvidei do amor entre meus avós.
    Este amor era profundo. Era mais do que um jogo de diversão, era um modo de vida. Seu relacionamento era baseado em devoção e uma afeição apaixonada, igual  as quais nem todo mundo tem a sorte de experimentar. O vovô e a vovó ficavam de mãos dadas sempre que podiam.
    Roubavam beijos um do outro sempre que se batiam um contra outro naquela cozinha  tão pequena. Eles conseguiam terminar a frase incompleta do outro e todo dia resolviam juntos as palavras cruzadas do jornal. Minha avó cochichava para mim dizendo o quanto meu avô era bonito, como ele havia se tornado um velho bonito e charmoso.
    Ela se gabava de dizer que sabia como pegar os namorados mais bonitos.
    Antes de cada refeição eles se reverenciavam e davam graças a Deus e bênçãos aos presentes por sermos uma  família maravilhosa, para continuarmos sempre unidos e com boa  sorte. Mas uma nuvem escura surgiu na vida de meus avós: minha avó  tinha câncer de mama.
    A doença tinha aparecido dez  anos antes. 
    Como sempre, vovô estava com ela a cada momento. Ele a confortava no quarto amarelo deles, que ele havia pintado dessa cor para que ela ficasse sempre rodeada da luz do sol, mesmo quando ela não tivesse forças para sair.
    O câncer agora estava de novo atacando seu corpo. Com a ajuda de uma bengala e a mão firme do meu avô, eles iam à igreja toda manhã. E minha avó foi ficando cada vez mais fraca, até que, finalmente, ela não mais podia sair de casa.
    Por algum tempo, meu avô resolveu ir à igreja  sozinho, rezando a Deus para zelar por sua esposa. Então, o que todos  nós temíamos aconteceu. Vovó partiu. "NEOQAV" foi gravada em amarelo nas fitas cor-de-rosa dos buquês de flores do funeral da vovó. Quando os amigos começaram a ir embora, minhas tias, tios, primos e outras pessoas da família se juntaram e ficaram ao redor da vovó pela última vez.
    Vovô ficou bem junto do caixão da vovó e, num suspiro bem profundo, começou a  cantar para ela. Através de suas lágrimas e pesar, a música surgiu como uma canção de ninar que vinha bem de dentro de seu ser.
    Me sentindo muito triste, nunca vou me esquecer daquele momento. 
    Porque eu sabia que mesmo sem ainda poder entender completamente a profundeza daquele amor, eu tinha tido o privilégio de testemunhar a beleza sem igual que  aquilo representava.

Aposto que a esta altura você deve estar se  perguntando: "Mas o que "NEOQAV" significa?". Não está?

NEOQAV = Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você.

(autor desconhecido)

Amor e Luz



Radical assim, sim. Você gosta do que você é. Você admira quem tem as
qualidades que você também acha que tem ou gostaria de ter.

Você gosta do que lhe diz respeito, gosta das pessoas que têm seu sangue,
das que você elege, das que não ameaçam você.

Você e o mundo são assim. Todos os seres humanos são assim, racionalmente.
Na TV, concordamos com quem diz o que nós pensamos. No jornal, damos
crédito a quem escreve o que nos representa. No fundo, nós só gostamos de
nós mesmos.

Leio uma crítica do Ricardo Feltrin e adoro-a. Claro, ela reflete o que eu também
penso, tenho que gostar. Dela, a crítica, dele, o crítico.


Cada ser humano se sente o centro do mundo, vê tudo sob sua ótica e só ama a
si mesmo. Até sua falta de auto-estima prova que seu interesse é só um, ele
próprio. Egoístas. Todos somos.

E aí vem o amor.

E dá uma rasteira no nosso ego imbecil.

O amor.

Que subitamente faz com que a gente ame alguma coisa, alguém, que é um
não-eu. Não é a mamãe, nem o papai, vovó, titio, filhinho. É outra pessoa.
De outra família, outro lugar, que tem outra história. Muitas vezes, é até de
outro sexo.

E  amamos esta pessoa sem saber como ou por quê.

Porque o amor não é verbo que a gente conjuga na primeira pessoa de forma
racional, amor é verbo que faz da gente objeto.

O amor acontece.

E só quem aprende, entende, exercita o amor sabe que sua potência, sua
imensidão.

Quem nunca amou, pode achar que sabe mas não sabe.

Amor é único, não parece com nada.

O que mais se parece com amor deve ser chocolate. Ou queijo. Quando a
gente tem vontade de comer chocolate não serve mais nada. Só chocolate mesmo.
Queijo é assim também. É uma coisa em si.

No fundo, todo mundo que vive em desamor, de forma pontual ou em longas doses
ao longo dos anos, vai ficando amargo. Depois azedo. Depois, podre.

As pessoas ruins, ácidas, infelizes, que não sentem prazer, vivem anestesiadas.
São sempre as mais ranzinzas, as mais chatas, as que alfinetam, as que ferroam
sem parar.

Não são rompantes normais da ira, é um azedume que contamina tudo, uma
humidade triste de quem vive sem luz, onde o bolor diário da inveja cresce.

É triste, isto. Gente que vive embolorada por dentro, por falta de amor e sol.

Lamento por todas elas.

Porque se elas se lançassem ao amor, mudariam num instante.







(Rosana Hermann)

Amar Bonito

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar:

Aprendam a fazer bonito seu amor.

Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.

Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito.

Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender...

Tenho visto muito amor por aí.

Amores mesmo: bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva.

Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos.

Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção.

Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Aí, esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais, de repente se percebem ameaçados e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram, exigem, rotinizam,descuidam, reclamam, deixam de compreender, necessitam mais do que oferecem, precisam mais do que atendem, enchem-se de razões.
Sim, de razões.

Ter razão é o maior perigo no amor.

Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão.

Nem queira!!!

Ter razão é um perigo: em geral, enfeia um amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada.

Amar bonito é saber a hora de ter razão.

Ponha a mão na consciência. Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito?

De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro a maior beleza possível?

Talvez não.

Cheio ou cheia de razões, você separa do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer.

Quem espera mais do que isso sofre e, sofrendo, deixa de amar bonito.

Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança.

E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.

Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia.

Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama.

Saia cantando e olhe alegre.

Recomenda-se: encabulamentos, ser pego em flagrante gostando, não se cansar de olhar e olhar, não atrapalhar a convivência com teorizações, adiar sempre se possível com beijos 'aquela conversa importante que precisamos ter', arquivar, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.

Para quem ama, toda atenção é sempre pouca.

Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda a atenção possível.

Quem ama bonito não gasta tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.

Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine cheia de brinquedos dos nossos sonhos); não teorize sobre o amor, ame.

Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade, abrir o coração, contar a verdade do tamanho do amor que sente; não dar certo e depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito).

Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabiamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser.

Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs.

Falando besteiras, mas criando sempre.

Gaguejando flores.

Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil.

Revivendo os caminhos que intuiu em criança.

Sem medo de dizer eu quero, eu estou com vontade.

Deixe o seu amor ser a mais verdadeira expressão de tudo que você é.

Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.

Não se preocupe mais com ele e suas definições.

Cuide agora da forma do amor:

Cuide da voz.

Cuide da fala.

Cuide do cuidado.

Cuide de você.

Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.

(Arthur da Távola)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

 

Alemanha

Início do século XX


Durante uma conferência com vários universitários, um professor da Universidade de Berlim desafiou seus alunos com esta pergunta:

“Deus criou tudo o que existe?”

Um aluno respondeu valentemente:
“Sim, Ele criou.”

“Deus criou tudo?”
Perguntou novamente o professor.

“Sim, senhor.”
Respondeu o jovem.

O professor respondeu:
“Se Deus criou tudo, então Deus fez o mal? Pois o mal existe, e partindo do preceito de que nossas obras são um reflexo de nós mesmos, então Deus é mau?”

O jovem ficou calado diante de tal resposta e o professor regozijava de ter provado mais uma vez que a fé era um mito.

Outro estudante levantou a mão e disse:
“Posso fazer uma pergunta, professor?”

“Lógico.”
Foi a resposta do professor.

O jovem ficou de pé e perguntou:
“Professor, o frio existe?”

“Que pergunta é essa? Lógico que existe, ou por acaso você nunca sentiu frio?”
Responde o professor.

O rapaz respondeu:
“De fato, senhor, o frio não existe. Segundo as leis da Física, o que consideramos frio, na realidade é a ausência de calor. Todo corpo ou objeto é susceptível de estudo quando possui ou transmite energia, o calor é o que faz com que este corpo tenha ou transmita energia.
O zero absoluto é a ausência total e absoluta de calor, todos os corpos ficam inertes, incapazes de reagir, mas o frio não existe. Nós criamos essa definição para descrever como nos sentimos se não temos calor.”

“E existe a escuridão?”
Continuou o estudante.

O professor respondeu:
“Existe.”

O estudante respondeu:
“Novamente comete um erro, senhor, a escuridão não existe. A escuridão na realidade é a ausência de luz.
A luz pode-se estudar, a escuridão não!
Até existe o prisma de Nichols para decompor a luz branca nas várias cores de que está composta, com suas diferentes longitudes de ondas.
A escuridão não!
Um simples raio de luz atravessa as trevas e ilumina a superfície onde termina o raio de luz. Como pode saber o quão escuro está um espaço determinado? Com base na quantidade de luz presente nesse espaço, não é assim?
Escuridão é uma definição que o homem desenvolveu para descrever o que acontece quando não há luz presente.”

Finalmente, o jovem perguntou ao professor:
“Senhor, o mal existe?”

O professor respondeu:
“Claro que sim, lógico que existe, como disse desde o começo, vemos estupros, crimes, violência no mundo todo, essas coisas são do mal.”

O estudante respondeu:
“O mal não existe, senhor, pelo menos não existe por si mesmo. O mal é simplesmente a ausência do bem, é o mesmo dos casos anteriores, o mal é uma definição que o homem criou para descrever a ausência de Deus.
Deus não criou o mal.
Não é como a fé ou como o Amor, que existem como existem o calor e a luz.
O mal é o resultado da humanidade não ter Deus em seus corações.
É como acontece com o frio quando não há calor, ou a escuridão quando não há luz.”

Por volta dos anos 1900, este jovem foi aplaudido de pé, e o professor apenas balançou a cabeça permanecendo calado…

Imediatamente o diretor dirigiu-se àquele jovem e perguntou qual era seu nome:

E ele respondeu:
“Albert Einstein.”

sábado, 12 de junho de 2010

Metade

 

Que a força do medo que eu tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvido e a boca. Porque metade de mim é o que grito mas a outra metade é o silêncio.


Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste. Que a mulher que eu amo seja para sempre amada mesmo que distante. Porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento. Porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora se transforme na clama e na paz que eu mereço. E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que penso mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo/a se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso, que eu me lembro ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espirito. E que o teu silêncio fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é a canção.

E que minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é o amor e a outra metade também.

(Osvaldo Montenegro)

segunda-feira, 22 de março de 2010

O Amor Por Entre O Verde

Não é sem frequência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequena ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns treze anos, o corpo elástico metido num blue jeans e num suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho-de-cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, dezesseis, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida. Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos, e ficam montados, um de frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.

Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passam à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos, como a perscrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor, e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até que ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo.

Que será, pergunto-me eu em vão, dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã, quando eu chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com os cabelos presos?

E se prosseguirem se amando, pergunto-me novamente em vão, será que um dia se casarão e serão felizes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?

É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado… Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que frequentemente aquela que devia ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram.

E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.



(V. de M. – Para se Viver Um Grande Amor, Companhia das Letras, 1991, página 47)

 

sábado, 13 de março de 2010

Cadeados Do Amor

Há uns 30 anos, começou na Hungria uma febre que hoje se espalhou pelo mundo: Cadeados do Amor. Os casais trancavam cadeados em grades pra simbolizar o amor e compromisso eterno e, apesar de achar que essa metáfora pode ser meio pesadona, faz um mega sentido. Além disso, em tempos de relacionamento fast-food, é bom saber que tem gente que ainda se compromete de verdade…

Alemanha

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China

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Coréia

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Estados Unidos

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França

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Guam

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Itália

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Japão

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Rússia

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Ucrânia

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quarta-feira, 10 de março de 2010

Se Se Morre De Amor!

 

Sentir, sem que se veja, a quem se adora,

Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,

Segui-lo, sem poder fitar seus olhos,

Amá-lo, sem ousar dizer que amamos, (...)

Arder por afogá-lo em mil abraços:

Isso é amor, e desse amor se morre!

(Gonçalves Dias)

terça-feira, 2 de março de 2010

Manifesto de um Ácaro Contra o Amor

     O amor é uma merda! Me dá até alergia respiratória só de pensar. Não, querido leitor, eu não sofri uma decepção amorosa, não sou mal-resolvido nem estou com dor de cotovelo. Até porque nem cotovelo eu tenho. Eu sou um ácaro, pelo amor de Deus!

     Esse meu ódio, essa minha repugnância, esse meu nojo pelo amor nada mais são do que resultado de pura reflexão intelectual. Uma questão pragmática, eu diria. Quase dialética. Na verdade, chega a ser uma questão de sobrevivência. Ou nós, ácaros, acabamos com o amor entre as pessoas, ou o amor vai acabar com a gente. Simples assim.

     Esta excrescência que é o amor, mesmo nas mais simples e singelas demonstrações, já é para nós um inferno em vida. Começando pelo cafuné, por exemplo. Aparentemente tão inofensivo e despretensioso, não é? Mas veja pelo nosso ângulo. Estamos lá, desfrutando de um resto de couro cabeludo, uma gordurinha capilar ou até mesmo uma saborosíssima caspa. Quando de repente, sem mais aquela, aparecem unhas e dedos gigantes que ficam jogando a gente de um lado para o outro sem parar. Imagine-se num restaurante que não deixa você ficar sentado em sua mesa. Fica jogando você de um lado para o outro, por horas a fio. É in-su-por-tá-vel. Faça-me o favor! Será que dá pra deixar a gente comer sossegado?

     Só de ficar de mãozinhas dadas, os humanos já acabam com a nossa alegria. Na hora que as mãos se tocam e se apertam, expulsam o oxigênio entre elas e nós ficamos sufocados. Por um tempo dá até um barato ficar sem oxigênio, mas se o amor é grande e as mãos ficam muito tempo unidas, bye-bye, so long, farewell.

     Um pouco mais grave é o abraço. E quanto mais apertado e demorado, mais perigoso para nós, os ácaros. Não sei o que é pior: ficar na frente sendo esmagado vivo ou ficar nas costas onde uma mão enorme te esfrega pra cima e pra baixo por uma eternidade. Isso sim que é dor de amor.

     A partir daí a coisa começa a ficar extremamente complicada. O beijo, ah que raiva que eu tenho do beijo. Um desentupidor de pia gigante que suga a gente sem a mínima cerimônia. Fora o barulho, que é ensurdecedor. Imagine uma boca gigante em seu ouvido dando um beijinho estalado. Eu mesmo já não ouço bem de um ouvido por conta de beijos calientes dos quais participei sem pedir. Aliás, você vivem dizendo “eu queria ser uma mosquinha para saber o que está acontecendo lá”... pois é. Entre nós, os ácaros, costumamos dizer que gostaríamos de ser uma mosquinha para NÃO saber o que está acontecendo. Queremos distância da paixão. Dá pra entender ou não?

     Mais a pior de todas as manifestações de amor, sem dúvida é o sexo. Não existe nada mais revoltante que amor com sexo. É uma carnificina impiedosa. Pega a gente de tudo quanto é lado. Se a gente tá na cabeça de um, vem uma mão e esfrega na gente. Se a gente está no travesseiro ou no lençol, é violência e agressividade. Raspa daqui, joga dali, esfrega acolá, aquele vai-e-vem insuportável... Um fica chupando e lambendo o outro (argh!), o que embrulha nosso estômago de um jeito... você já tomou um banho de saliva? Pior, já se viu em meio a uma enchente de saliva? Não dá nem pra explicar a sensação. Tietê é fichinha.

     A bunda da mulher, então, é um lugar perigosíssimo para se freqüentar. Os tapas que despencam por lá matam milhões e milhões de companheiros em questão de segundos. Um verdadeiro massacre.

     Mas o pior lugar mesmo para ficar são os pêlos pubianos, meu Deus do céu! O que aquilo ali esfrega é uma ignorância. A fricção naquela região faz a temperatura subir de forma estratosférica. Que aquecimento global, o quê? Experimenta estar nas partes baixas de um homem ou de uma mulher durante o intercurso. O ácaro que não morre lá mesmo fica inválido para sempre. A gente torce pro sujeito ter impotência, pra mulher estar com dor de cabeça ou, no mínimo que o cara tenha ejaculação precoce. Sabendo disso você pode imaginar porque a gente não pode nem ouvir falar em uma tal de pílula azul...

     É, não há mesmo um lugar onde um ácaro de respeito possa ficar em segurança, com seus milhões de amigos e familiares, curtindo uma pelinha morta numa boa. Enquanto houver sexo, seremos sempre atingidos, lamentavelmente.

     Olhe, e não pense você que os ácaros têm algum tipo de restrição ao sexo. Conceitualmente, eu quero dizer. Não, os ácaros estão longe de serem moralistas. É claro que existem exceções. Existe uma espécie de ácaros que não se reproduz com sexo. São apenas fêmeas botando ovos. Mas aquelas pobres meninas são feministas recalcadas que acham que deram certo, mas que não têm a menor idéia do que é o orgasmo, tadinhas... Ácaro, como todo mundo, adora sexo. Mas tem de ser sexo seguro, ou seja, a distância. Esse negócio de sexo virtual, pela internet para nós foi um verdadeiro achado. Para você ter uma idéia existem membros em nossa espécie que atingem a maturidade sexual em apenas dois dias. Legal, né? O único problema é que a gente tem uma média de duas relações sexuais na vida, o que pra você pode ser pouco, mas lembre-se que vivemos apenas 2 meses. Ácaro gosta tanto de sexo que costumamos dizer que podemos ser feios, mas comemos todo mundo. É, a gente adora tirar uma casquinha de vocês.

     O amor entre os de sua espécie é a perdição para os da nossa. É por isso que eu digo: abaixo o amor! Vamos dar um basta neste desperdício de energia sem sentido! O amor não serve pra nada, só faz todo mundo sofrer. O amor é nosso carrasco, nosso facínora, nosso Hitler. Milhões de ácaros indefesos tombam a cada mínima manifestação afetiva de nossos cruéis hospedeiros. É preciso acabar com essa pouca-vergonha. Só porque a gente é microscópico não quer dizer que não tenhamos direito à vida.

     Mas ainda há esperança. Até porque, como vocês bem sabem, o amor não dura para sempre, se Deus quiser. É, meus amigos, a conclusão a que se chega é que vocês são bem gostosos, mas muito perigosos. Se continuar assim, vamos acabar virando todos vegetarianos.

 

(Henrique Szklo – é escritor e tem alergia a ácaros)

(Re) Formulando…

 

Eu tentei ser engraçado em alguns posts, mas eu estava com a minha “imbecialidade” em alta no dia em questão e postei uma babaquices internéticas (graças a Deus apaguei a tempo!)… Eram coisas bizarras, que só funcionam em site/blog de humor idiota. A minha proposta era trazer um pouco de humor inteligente para esse humilde blog e que não desviasse o caminho da proposta original do blog: falar de Amor.

Bom, humor inteligente é difícil de ser encontrado, mas encontrei um texto bem engraçado e muitíssimo diferente dos textos que havia postado.

Mas não se preocupem, a parte séria e romântica ainda permanece.


Espero não desapontar meus (quase três) leitores.

 

Para O Seu Namoro (Ou O Que For) Dar Certo

Não existe uma fórmula exata, é claro. Mas observando atentamente meus amigos e com as cabeçadas que levei durante a vida, anotei alguns procedimentos básicos para melhorar seu relacionamento, evitar brigas inúteis e o terror do desgaste. Existem mais alguns itens para enriquecê-lo de sabedoria, mas infelizmente não cabe no espaço disponível aqui. Então selecionei algumas dicas que estão esmiuçadas nos livros para você e nas próximas semanas vou discutindo alguns itens mais detalhadamente no Blônicas.
Não telefone todos os dias para seu amor, muito menos tenha isso como obrigação. Após alguns meses de namoro o assunto acaba, dando lugar à brigas irracionais. Não marque horário específico para ligações também. Se um dia você não estiver em casa, ou estiver no banheiro na hora marcada, estará perdido. Não a costume a dar "beijinho de boa noite". Muitas vezes ela fará isso só para ver se você não saiu após a última ligação da noite. Cuidado! Se você tiver que diminuir o TNT (Tempo de Namoro ao Telefone), faça-o desde o início.

Tenha e mantenha seus amigos, custe o que custar. Até se custar seu namoro vale a pena (por mais que você esteja cego agora). Não paparique ou despreze demais. Não use sapatinho da maga patalógica. Todo excesso atrapalha. Ame, mas permita que a pessoa ame. Faça, mas nunca pelos dois. Se tudo o que você fizer for pelos dois, qual a necessidade da outra pessoa?

Seja pontual, mas não metódico (nerd). Saia da rotina. Não traia (por mais tentador que seja). Mantenha a forma física, mas sem fanatismo. Não se habituem a se xingar mutuamente. Evite isso desde a primeira vez acidental. Não ache que sua profissão é mais ou menos importante que a dela(e). Dê atenção à família dela, sem atitudes forçadas ou se envolvendo demais. Não o(a) corrija na frente de outras pessoas. Seja alegre e divertido(a) apesar das dificuldades da vida. Não ache que o que aconteceu aos outros não pode acontecer a você.

Valorize pequenas atitudes de afeto. Não fique noiva(o) durante muito tempo. Faça sua viagem de lua-de-mel depois, e não antes do casamento. Não aperte espinha da cara de seu parceiro. Evite falar ou ter contato com ex-namorados(as). Não deixe seu namorado ou quem quer que seja escolher suas roupas. Não guarde rancor. Discuta os problemas o mais rápido possível. Converse. Saiba ouvir, e escutar principalmente.Vejo muitos casais por aí sentados na mesa de um bar, ambos olhando para o infinito. Somente conversam quando chegam as batatinhas fritas (e ainda conversam sobre as batatas).

Seja humilde. Saiba separar quem é você e quem é ela(e). Distribua seu espaço e organize seu tempo durante o dia. Não seja um grude. Não seja extremamente ciumento ou indiferente. Não provoque ciúme propositadamente. Tente ser espontâneo e original. Não compre presentes fora de época, ou com cheque pré-datado ou cartão. Progrida intelectualmente sempre que puder. Não se acomode. Conquiste e reconquiste seu amor todos os dias.

Se conseguirmos cumprir apenas dez destes itens, já seremos mais felizes. Pena que sempre esquecemos da maioria...

 

(Evandro Daolio - autor da série "Ria da minha vida" e você pode conhecer mais sobre ele e seus livros em seu site.)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Diálogo do Amor

 

Assim falou, um dia, o Amante à sua Amada:

"- Não quer você seguir, comigo, a mesma estrada?

"E Ela disse: "- E se for uma grande subida
para enfrentarmos, os dois, durante toda a vida?"

"Não temas a subida" - então diz-lhe o Amante,"pois o
amor nos transporta em sua asa possante."

Mas a Amada persiste: "E se houver muito espinho e muita
pedra aguda, ao longo do caminho?"

E ele responde: "Espinho e pedra viram flor
quando existe no peito um grande, imenso Amor."

"E se a noite chegar, deixando tudo escuro",
- diz ela - "como achar a trilha do futuro?"

"Sossegue!... A minha vida, unida sempre à tua,será
brilho de sol, será clarão de lua!"

Mas ela insiste: "E o frio?... a neve em vez de orvalho
e a gente a caminhar sem agasalho?"

"Querida, o nosso Amor" - diz ele - "é chama ardente que
sempre há de aquecer a existência da gente!"

"E se chegar um dia a fome, em mau momento e a vida nos
negar o trigo do sustento?"

"Cavaremos a terra os dois juntos, então,
para plantar o Amor que é trigo, fruto e pão!"

"E se formos, depois, por um grande deserto,
uma região sem água alguma longe ou perto?"

Mas ele dizia: "Querida, a vida de quem ama,
é fonte de onde a água, em ondas se derrama"

"E se o Amor acabar?..." a Amada então hesita..."que nos
vai suceder em tamanha desdita?"

"Querida, o Amor não morre, o Amor é puro e terno,porque
o Amor é Deus e o grande Deus é eterno!

Não, o Amor não acaba..." o amante respondeu..."se todo Amor for grande assim como este meu.
Ele só acabará quando o sol apagar e não houver mais
água alguma em todo o mar!"
E ele estendeu a mão, assim como proposta
e ela lhe deu a sua, assim como resposta...

E sorrindo, o bom Deus, que tudo estava a olhar, pôs mais
chamas no sol e mais águas no mar...

"Lembre-se de que a primeira pessoa que você precisa
acreditar no que diz é você mesmo."

(Autor desconhecido)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Pequeno Tratado Sobre a Mortalidade do Amor

Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios. Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.
Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria do que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: amores morrem.
Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio ensurdecedor depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.
Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, feito Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho-papão. Outros confessam sua culpa em altos brados, fazendo de pinico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime, e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda com nomes paradoxais como "O Amor Inteligente", ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo "A Paixão Tem Olhos Azuis", difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.
Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados, e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos, definhando paulatinamente até se tornarem laranjas chupadas.
Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4a. série, ou entre fãs que até hoje suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley (e, pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (Bah, isso não é amor. Amor vivido só do pescoço pra cima não é amor).
Existem, por fim, os amores-fênix. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da TV ligada na mesa-redonda ao final do domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram - teimosos, e belos, e cegos, e intensos. Mas estes são raríssimos, e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas. Mas não quero acreditar nisso.
Um dia vou colocar um anúncio, bem espalhafatoso, no jornal.


PROCURA-SE: AMOR-FÊNIX
(ofereço generosa recompensa)

 

(Alexandre Inagaki)

Ter ou Não Ter Namorado, Eis a Questão

 

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.

Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.

Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

(Artur da Távola)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quem Sabe Um Dia


Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

(Mário Quintana)

Sermão de Casamento

 

 

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre:
"Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?”
Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:
- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?
- Promete saber ser amiga (o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?
- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?
- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?
- Promete se deixar conhecer?
- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?
- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?
- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?
- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?

- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?

“Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros.”

(Martha Medeiros)